sábado, 26 de setembro de 2009

POR TRÁS DA PAREDE AZUL – CAPÍTULO I

PAREDE AZUL

Os olhos tão grandes da menininha cresceram mais um tanto que já quase não cabiam naquele rostinho. A boca abriu um pouco mais. Queixo caído. Olhão de jabuticaba perdido nos movimentos coloridos dentro da TV.

A criançada em volta se mexia irrequieta tocada pelo frenesi da imagem, pelo suspense da história, pela angústia motora da idade. Mas não era o desenho animado a sua frente que arregalava aquele olhar. Foi aquele vulto que veio do corredor, entrou pela sala de vídeo, cumprimentou num gesto a professora sonolenta acomodada no fundo da sala, passou por trás das cadeiras enfileiradas. A menininha não viu esse vulto, mas chegou a sentir o ventinho de sua passagem pelas costas. Então, espichou o rabicho do olho pra esquerda a tempo de vê-lo sumir pela fenda aberta na imensa, escura parede azul.

E as jabuticabas crescendo nesse pé de pensamentos... coração disparado, boca mais entreaberta. Quem a visse podia pensar que estava fascinada pelo desenho que animava a tela da TV. Mas na verdade, como uma plantinha que sempre cresce na direção da luz, a imaginação se inclinava para a esquerda, na direção daquela parede azul e das fendas que volta e meia se entreabriam nela. Alguma coisa certamente acontecia ali. E a menina se inquietava na cadeira. Sempre que ia ver os desenhos na sala de vídeo, havia um movimento naquela direção. Pessoas entravam e saiam dali, sempre silenciosas, procurando não atrapalhar quem via TV. Mas isso não era nada.

O problema é que elas entravam dum jeito e saiam de outro. Marianinha não sabia dizer exatamente que outro jeito era esse. Aliás, nem sabia dizer como era o jeito de antes. O certo é que alguma diferença havia na saída: talvez o olhar mais esperto, talvez uma certa pressa, talvez uma inquietação. Dependia da pessoa, dependia do tempo que a pessoa ficava lá ficava.

O desenho acabava de acabar. A voz sonolenta da professora dizia que voltassem pra sala. Marianinha espichava o olho tentando encontrar uma alternativa por trás da parede que agora era só azul, sem nenhuma fresta de luz. Os colegas de turma corriam na frente desenbestados. E a menina ali, parada, tentava decidir algo que nem sabia direito o quê.

- Pra sala, Marianinha, decidia a professora já mais desperta!

E a parede azul se desvanecia dos seus pensamentos momentâneos. Agora era só preciso obedecer à voz do comando e tudo estaria bem: na sala, o dever de casa, a mochila; fora da sala, a mãe esperando. Mas lá dentro, bem lá no fundo a parede azul ficava mais azul, cada vez mais...

Um comentário:

Licris disse...

Olá, adorei o blog, comente o meu, obrigada por adicionar...vamos nos unir para que a Literatura tenha cada vez mais força e esteja cada vez mais próxima da população. Abraços.